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Design e computação gráfica nas aberturas das novelas brasileiras

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Design e computação gráfica nas aberturas das novelas brasileiras

12/03/2019

A HISTÓRIA DO DESIGN NO BRASIL ATRAVÉS DA TELEVISÃO

UMA LINHA DO TEMPO DAS LINGUAGENS GRÁFICAS NAS NOSSAS PRÓPRIAS MEMÓRIAS

Não é de hoje que a computação gráfica vem sendo usada nas aberturas das novelas. Elas são, inclusive, referências incríveis da evoluçãodeste mercado, das técnicas e suas ferramentas no Brasil. Este é um assunto tão rico por aqui que uma das maiores personalidades do design brasileiro, Hans Donner, foi quem esteve à frente de todas as aberturas de novelas, chamadas e vinhetas da Rede Globo por 40 anos. Entre suas criações estão as aberturas favoritas da geração 30+ – como Tieta, com o nu de Isadora Ribeiro; Deus nos Acuda, com sua crítica social atemporal; e Dono do Mundo, com cenas célebres de Chaplin – além de muitas das que ilustram nossas próprias lembranças do início dos anos 2000, como O Clone e O Beijo do Vampiro.

Trechos das aberturas de Tieta (1989), Deus nos Acuda (1992) e Dono do Mundo (1991)

Trechos das aberturas de O Clone (2001) e O Beijo do Vampiro (2002)

Mesmo que naquela época poucas pessoas estivessem atentas à complexidade das aberturas, Hans Donner ficou famoso por sua criatividade e por sempre explorar os melhores recursos tecnológicos da época. Hoje, os resultados alcançados na época são, com certeza, muito rudimentares, e é necessário reconhecer: antes de todo esse aparato tecnológico moderno, o maior peso da criação de uma abertura de novela estava na grande sacada de storytelling e semiótica, complementada por elementos marcantes. Em 2018, é igualmente necessária a grande sacada para representar a trama sem entregar a história, mas diante do  tsunami diário de informações e alta no consumo de vídeos, não se espera menos do que uma execução brilhante, arrasadora, digna de Hollywood. Em uma analogia, temos capacidade não só de planejar utilizar o filme do Chaplin, mas produzi-lo propriamente, e ninguém aceitará menos!

DESIGN DAS ABERTURAS DAS NOVELAS AO LONGO DO TEMPO

O TEMPO FOI UM SUPER AMIGO DA CRIATIVIDADE E DA LIBERDADE DE CRIAÇÃO

Trechos das aberturas de Felicidade (1991), Tropicaliente (1994) e A Próxima Vítima (1995)

As vinhetas começaram com filmagens, na maioria das vezes estrelando os mesmos atores presentes da trama. Ao longo dos anos, as interferências de computação gráfica nas aberturas das novelas foram deixando as produções mais refinadas. Já em 1991 a abertura de Felicidade arriscou com captações em chroma key, e podemos dizer que a A Próxima Vítima (1995) e Tropicaliente (1994) foram precursoras da qualidade gráfica que buscamos atualmente. Além disso, à parte da evolução em softwares e hardware de criação gráfica, dois pontos de virada para as aberturas de novelas estão na construção conceitual: um certo desapego aos rostos e figuras humanas, seguido da busca por estéticas diferentes do hiper realismo.

A abertura da segunda versão de Pecado Capital, exibida entre 1998 e 1999, foi uma das primeiras a explorar esses dois aspectos, experimentando cores, texturas e animações sem uma única figura humana e sem representações óbvias da realidade. Ainda que outras da mesma época não tenham a mesma ousadia, podemos dizer que o tempo foi um amigo da criatividade e da liberdade de criação! De lá pra cá temos: Haja Coração, cheia de cores e composições “caleidoscópicas”, até Além do Tempo e Deus Salve o Rei. Estas, cobertas de animações 3D e efeitos especiais tanto nas aberturas, quanto em cenas, ouso dizer, iniciaram uma época de novelas com produções dignas de cinema.

Trechos das aberturas de Haja Coração (2016), Deus Salve o Rei (2018) e Além do Tempo (2015)

SERÁ QUE AS ABERTURAS DAS NOVELAS MUDARAM POR INFLUÊNCIA DA NETFLIX?

A POPULARIZAÇÃO DAS SÉRIES (OU “COMO É CONVERSAR SOBRE GAME OF THRONES NO ALMOÇO DE DOMINGO”)

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Desde o lançamento da Netflix no Brasil, em 2011, vimos o público de séries crescer para além dos jovens que buscavam o torrent com melhor qualidade em sites duvidosos. Do celular, do tablet ou até diretamente da TV da sala, hoje muitos dos nossos pais trocam o Jornal Nacional por Breaking Bad e, aos poucos, vão também criando sensibilidade sobre a trilha sonora, fotografia, direção de arte, mesmo sem chamar por esses nomes. Assistimos, ao mesmo tempo, o fenômeno da queda de popularidade da televisão e a ascensão geral do consumo de vídeos em serviços de compartilhamento e streaming. Alguns dos motivos são muito claros: a possibilidade de personalização da programação, custo acessível, até curiosidade por outras visões de mundo (vide a série documental Wild Wild Country, cujo tipo de conteúdo, para a maioria das pessoas, era visto apenas uma vez por semana no Globo Repórter!).

São claras também as modificações que a TV brasileira sofreu para não ficar (tanto) para trás, como disponibilização de conteúdos onlinee, na forma de algumas novelas, o deslocamento da abertura para o meio do episódio. Entre diversas percepções, ficam as seguintes perguntas: sendo o formato das novelas muito semelhante ao das séries, o que fez com que a primeira perdesse popularidade e a segunda ganhasse novos públicos no Brasil? E, falando de computação gráfica nas abertura das novelas, seria essa nova ousadia influenciada pelas séries gringas do Netflix? A certeza que fica é que, com todos esses esforços para entregar os melhores resultados gráficos, a qualidade de produção dos profissionais e estúdios de animação envolvidos nas novelas brasileiras não fica nada a desejar das produções internacionais!

OS ESTÚDIOS DE ANIMAÇÃO NO BRASIL TAMBÉM ARRASAM!

AS FERAS DA ANIMAÇÃO 2D E 3D NAS TERRAS TUPINIQUINS

O assunto quente das últimas semanas, inclusive, é a abertura de O Tempo Não Pára, que nos deixou sem fôlego com todas essas animações 3D, simulações de fluidos, tecidos, aberrações cromáticas e estética vaporwave. Além de ser toda fora da caixa e por isso já ser incrível, nossa equipe de produção não deixou dúvidas: “fazer isso é difícil pra C$#&¢*o!”, falaram! E olha, eles sabem muito bem que alguns segundos de coisas que parecem simples, como explodir uma estátua de pedra ou detalhar o interior de um motor de carro… demandam horas e mais horas de trabalho duro! 

Trechos dos vídeos que produzimos para a Nipponflex e Renault

Em matéria do GShow, Alexandre Romano, o atual diretor de criação da Globo, revelou que criar essa nova abertura levou cerca de 90 dias e no mínimo 16 pessoas envolvidas, entre equipe interna da emissora, estúdios contratados e freelancers – esse número provavelmente é ainda maior! Se a trama impressiona pelos 132 anos que os personagens passaram congelados antes de chegarem à São Paulo atual, a soma dos tempos de formação dos profissionais envolvidos nessa produção até alcançarem tamanha qualidade deve facilmente passar de 200. Já pensou?

Fico de porta-voz da Chroma para dar esse parabéns público ao estúdio ACACA pelo trabalho monstro! Mandaram bem demais!

Intencionada ou não a se espelhar em produções cinematográficas, percebo orgulhosamente que a gigante Videographics da Globo está levando ao ar e ao público de massa as tendências de design que nos inspiram. É incrível ver novas vanguardas nas linguagens gráficas presentes em um território tão brasileiro como as novelas, convidando todo mundo a curtir o diferente.

COMPUTAÇÃO GRÁFICA NAS ABERTURAS DAS NOVELAS É ASSUNTO SÉRIO, BABY!

DE PABLO PICASSO À VIDEOGRAPHICS

Em resumo, olha quantas evidências de que esse assunto é muito mais longo que 1 minuto de vídeo antes do episódio da novela de cada dia: toda a história da arte (e do design) é marcada por essa ousadia na forma como representamos a vida. O cubismo de Pablo Picasso, o surrealismo de Salvador Dalí, o expressionismo de Van Gogh, além de muitas outras vanguardas, desafiaram o realismo na pintura e, além de serem amadas e odiadas, também dialogam com uma remodelagem na forma como vemos e interpretamos o mundo nas entrelinhas. Em um momento de fervor dos movimentos sociais, representações políticas e luta por direitos, nada mais tendência do que explorar formas diferentes de falar de um mesmo assunto.

Redação: Gabriela Bara